por FERNANDO PEREIRA – jornalista, teólogo, mercadólogo e mestrando em Ciências Políticas.
Ao longo desta série, exploramos o Essencialismo e o existencialismo, duas correntes filosóficas que oferecem perspectivas distintas, mas valiosas, sobre a vida e sobre quem somos. O Essencialismo sugere que cada um de nós possui uma essência fixa e um propósito intrínseco, enquanto o existencialismo defende que nossa identidade e propósito são resultados de nossas escolhas.
Neste terceiro artigo, nosso objetivo é ajudar você a entender qual dessas visões influencia mais suas decisões e como é possível equilibrar ambas, adotando o que cada uma tem de melhor para uma vida mais plena e autêntica.
Para identificar qual corrente filosófica influencia mais suas escolhas, comece refletindo sobre como você enxerga a vida e a si mesmo. Perguntas como as seguintes podem ser um ponto de partida:
– Você sente que possui um “destino” ou acredita que cada dia é uma chance para se reinventar?
– Sua profissão ou seu propósito na vida parecem ser algo que você sempre teve dentro de si, esperando para ser revelado, ou são construídos a partir das experiências e escolhas que fez?
– Quando enfrenta desafios, você sente que há características suas, como uma “natureza” que define como reage, ou acredita que suas reações podem mudar completamente a depender do contexto e de sua vontade?
Essas perguntas ajudam a observar como cada visão filosófica pode estar presente em sua vida. Se você acredita que existe um propósito inato que precisa ser cumprido, essa é uma visão essencialista. Por outro lado, se sua inclinação é pensar que a identidade e o sentido de vida são criados ao longo do tempo e através das escolhas que faz, você tende a adotar uma visão existencialista.
Exemplos Cotidianos
Vamos considerar alguns exemplos práticos do dia a dia que podem ajudá-lo a identificar qual abordagem você tende a adotar:
– Carreira e Vocação: Se você pensa que “nasceu para ser médico” e que essa profissão é a sua vocação, isso reflete uma visão essencialista, pois acredita que essa escolha é uma realização de algo intrínseco em você. Já se você decide mudar de profissão, mesmo após muitos anos em uma área, para seguir uma nova paixão, essa decisão demonstra uma perspectiva existencialista, onde o trabalho é uma escolha em constante construção, e não um destino fixo.
– Relações e Compromissos: Em relacionamentos, uma pessoa com visão essencialista pode sentir que alguns vínculos são inevitáveis, como a família ou laços de amizade de longa data, e acredita que deve preservar esses laços como parte de quem ela é. Em contrapartida, uma pessoa com uma visão mais existencialista pode ver relacionamentos como escolhas renováveis, ou seja, ela pode se afastar ou aproximar de pessoas com base em seu crescimento pessoal, reavaliando constantemente o que cada relacionamento significa para si.
– Identidade Pessoal: Algumas pessoas sentem que suas características e traços fundamentais foram dados a elas, talvez por um princípio espiritual ou uma força maior, e que devem trabalhar para alcançar o máximo do potencial dessas características (essencialismo). Outras, em vez disso, podem ver a identidade como algo flexível, em constante mudança e adaptação às experiências e aos contextos, definindo-se a partir de escolhas conscientes que vão construindo quem são ao longo da vida (existencialismo).
Esses exemplos mostram que tanto o Essencialismo quanto o existencialismo podem ter papel relevante em nossa vida cotidiana, ajudando-nos a interpretar decisões e valores pessoais.
Equilíbrio entre Natureza e Liberdade
A partir desses conceitos, fica claro que não é necessário adotar uma visão única e absoluta. Em vez disso, podemos buscar um equilíbrio que valorize as características mais úteis de cada filosofia. Podemos, por exemplo, reconhecer aspectos da nossa vida que realmente não escolhemos, como a biologia e nossas necessidades básicas, ao mesmo tempo em que nos permitimos construir e moldar nossa identidade e escolhas em outras áreas.
Alerta
Mediante a ambas as posições, é preciso ser maduro na prática, pois se não podemos incorrer num fatalismos que “justifica”/transferem culpa de nossas atitudes nesfastas com a gente mesmo ou com o próximo e, do lado existencialista, é preciso mais cuidado ainda para não sermos engodados por nossos arroubos juvenis de criarmos uma expressão conveniente para nosso ser que seja traduzida em forma de rebeldia inconsequente e gerar, de forma desnecessária, cizanias que compromotem quem somos perante a sociedade, o trabalho e aos relacionamentos etc.
Esse equilíbrio se torna especialmente importante no mundo contemporâneo, onde a busca por autenticidade é valorizada. Ao mesmo tempo que temos liberdade para redefinir quem somos, essa liberdade não precisa eliminar aspectos imutáveis da nossa existência. Por exemplo, uma pessoa pode se sentir inclinada a desenvolver habilidades que estão naturalmente presentes em sua personalidade, mas ainda assim escolher como irá aplicá-las e em quais contextos.
Essencialismo e existencialismo podem coexistir como visões complementares: podemos ter áreas de nossa vida em que sentimos que somos “fiéis a nossa essência” e outras em que exploramos a liberdade de ser quem escolhemos ser.
Conclusão
Neste terceiro e último artigo, vimos que o essencialismo e o existencialismo oferecem valiosas contribuições para a construção da identidade. No fim, não é necessário escolher um ou outro como verdade absoluta, pois ambos os conceitos podem enriquecer a maneira como interpretamos nossa vida e tomamos decisões. Ao reconhecer partes da nossa existência que são imutáveis e, ao mesmo tempo, aproveitar a liberdade de escolher quem queremos ser, podemos viver de forma mais equilibrada e autêntica, criando um sentido de vida que é, ao mesmo tempo, coerente com nossa natureza e fiel às nossas escolhas.
Assim, ao refletir sobre essas ideias, que você possa encontrar um caminho que honre tanto sua essência quanto sua liberdade de escolha, construindo uma vida com propósito e significado, tendo em mente que, “nenhum homem (ser humano) é uma ilha”, como ressaltava o poeta e clérigo inglês John Donne (1572-1631).