por FERNANDO PEREIRA – jornalista, teólogo, mercadólogo e mestrando em Ciências Políticas.
O essencialismo, um conceito fundamental da filosofia grega, propõe que todos os seres e objetos possuem uma essência fixa, intrínseca e imutável que determina sua natureza e propósito. Segundo essa visão, cada coisa ou ser tem uma finalidade pré-estabelecida, uma função a cumprir no mundo, e essa essência é o que define a identidade de tudo que existe.
Ao longo da história, essa ideia moldou profundamente a forma como sociedades entenderam identidade e função, estabelecendo padrões de comportamento e organização social que influenciaram, e ainda influenciam, as pessoas em suas escolhas e na forma como se veem no mundo.
Essência e Finalidade
Para filósofos como Aristóteles, a essência é o conjunto de características fundamentais que define algo ou alguém. Aristóteles acreditava que tudo no universo tinha uma “natureza” e um propósito que estavam além de qualquer transformação superficial ou escolha pessoal. Por exemplo, uma árvore não é apenas um conjunto de galhos e folhas; ela possui uma natureza intrínseca que determina seu crescimento, sua capacidade de produzir frutos e seu papel no ecossistema. Da mesma forma, os seres humanos também teriam uma essência que define sua identidade e propósito – seja como pais, cidadãos ou membros de uma comunidade.
Essa ideia de essência conferia um sentido de ordem e propósito ao universo. No essencialismo, todos os seres são dotados de uma função, e essa função é fundamental para a estrutura do mundo. Portanto, um ser humano tem um “lugar natural” na sociedade, tal como cada órgão tem um papel específico no corpo. Essa visão era um convite a cada pessoa para “ser o que nasceu para ser” e cumprir sua função natural, em harmonia com o resto do cosmos.
Impacto Histórico e Cultural
O pensamento essencialista moldou as bases culturais e sociais da civilização ocidental, influenciando profundamente religiões, políticas e costumes. As religiões abraâmicas, por exemplo, adotaram uma visão essencialista da natureza humana, promovendo a ideia de que o ser humano possui uma alma e um propósito dados por uma divindade superior/Deus. Esse entendimento do “lugar” de cada um no mundo legitimava sistemas hierárquicos e ajudava a manter a ordem social ao sugerir que cada papel, do camponês ao rei, fazia parte de uma estrutura divinamente ordenada e essencial.
Nas sociedades antigas, essa visão essencialista era refletida em sistemas rígidos de classes e papéis de gênero bem definidos. Homens e mulheres, por exemplo, tinham funções e comportamentos pré-estabelecidos com base em suas características percebidas como “naturais.” Essa ideia de uma natureza intrínseca às pessoas e grupos foi, ao longo dos séculos, justificativa para convenções que ainda encontramos em muitos aspectos da vida moderna. Mesmo em uma sociedade atual, onde há uma maior liberdade de escolha, muitos padrões e expectativas tradicionais continuam presentes, em grande parte devido à influência do pensamento essencialista.
Reflexos na Vida Contemporânea
Embora o mundo tenha se modificado para abraçar outras formas de pensamento, o essencialismo ainda está presente em muitos aspectos da sociedade contemporânea. O conceito de “vocação,” por exemplo, está ligado à ideia essencialista de que cada pessoa possui uma aptidão ou um destino específico a cumprir. Quando se espera que alguém “descubra” o que nasceu para fazer, ou quando alguém se vê em busca de seu “propósito de vida,” isso remete ao essencialismo. Essa perspectiva também é visível em debates sobre papéis de gênero e discussões sobre masculinidade e feminilidade: certas características e comportamentos são atribuídos aos gêneros como propriedades naturais e imutáveis.
O essencialismo também permeia a forma como muitas pessoas entendem a saúde mental, a personalidade e até mesmo a identidade nacional. Questões como “quem somos” e “de onde viemos” ainda influenciam valores e decisões coletivas. Entretanto, à medida que o pensamento existencialista e outras correntes filosóficas foram ganhando espaço, o essencialismo passou a ser questionado, e alternativas a essa visão rígida da natureza humana começaram a surgir.
Conclusão
O pensamento essencialista, com sua ênfase em uma essência fixa e imutável, ajudou a estruturar o entendimento de identidade e papel social ao longo da história. Ainda que essa visão tenha proporcionado uma sensação de ordem e propósito, a filosofia moderna e contemporânea trouxe questionamentos que abriram espaço para diferentes perspectivas, como o existencialismo, que será no próximo artigo que publicarei. Ao refletirmos sobre essas ideias, percebemos como os conceitos essenciais e as ideias filosóficas continuam a influenciar nosso entendimento sobre nós mesmos e sobre o papel que desempenhamos na sociedade – seja ele construído por nós ou atribuído por uma natureza imutável.