Você que acompanha minimamente política deve estar vendo as votações de PEC da Transição, Orçamento Secreto e Lula montando 33 ministérios. O que isso tudo quer dizer? Quer dizer que o que se desenha para 2023 é de novo um país viciado em gastos públicos. Lula não está tão preparado quanto pensávamos para um terceiro mandato. Não com o desenho político de hoje, em que o presidente da Câmara tornou-se tão poderoso quanto o próprio presidente da República.
Vamos por partes: a PEC da Transição foi aprovada pela Comissão do Senado com o valor liberado de R$ 175 bilhões (que era o que o governo queria) para R$ 145 bilhões e terá validade de dois anos. Por que validade de dois anos? Porque o Congresso não quer perder o seu poder de barganha. Caso liberasse por quatro anos, Lula faria o que quisesse sem essa dependência dos parlamentares. É a tal sobrevivência do poder invisível, a revanche dos interesses particulares sobrepondo a nação. Mas é a primeira batalha vencida pelo governo Lula.
Vamos fazer uma conta rápida: foram aprovados R$ 145 bi. Desse valor, R$ 70 bi devem custear o Bolsa Família. Sobram R$ 75 que devem ir para qualquer outra ação, inclusive uma reedição do Lula que entregou o governo viciado em gastos públicos para Dilma Rousseff. E, esse valor pode ser usado para emenda do relator. Ou seja: orçamento secreto 2. Aaaah, o corporativismo desenfreado.
E, o orçamento secreto sendo votado pelo Supremo Tribunal Federal? Bom, os líderes do Centrão já estão em polvorosa com medo de perder a mamata. E, a contraproposta é destinar metade dos recursos para saúde e educação. Risos! Como se isso não fosse obrigação deles. Mas se o orçamento for derrubado Lula fica numa sinuca de bico, pois vai enfrentar a ira de parlamentares que viram no orçamento secreto a possibilidade de encherem seus bolsos. É óbvio que essa prática é uma excrescência mas nem o fim dela garante a retomada do protagonismo presidencial na política. Nossa fragmentação partidária piora a força de uma democracia programática. Democracia essa que está na UTI e caminha a passos largos para o túmulo.
Essa relação entre os poderes ficou conflituosa demais. Só o poder pode criar o direito. E só o direito pode delimitar o poder. Mas tudo está tão confuso por essas terras que não se sabe mais onde começa o direito e onde começa o poder.
O único modo de se chegar a um acordo quando se fala de democracia, entendida como contraposta a todas as formas de governo autocrático, é o de considerá-la caracterizada por um conjunto de regras que estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos. Um governo de todos é um ideal-limite. Mas é muito difícil que ele se realize numa sociedade onde as alternativas são escassas ou sempre dentro de um jogo de poder em que alternativas reais sejam cada vez mais raras.
É provável que o Supremo declare o orçamento inconstitucional, mas as regras do jogo mudaram. Com um congresso que teve somente 39% de renovação é preciso extirpar o orçamento na raiz.
Nos últimos três anos, o orçamento secreto se apropriou de R$ 53,9 bilhões dos recursos públicos para destinar verbas, sem transparência, a redutos de deputados e senadores. Se for declarado inconstitucional já tem parlamentar falando abertamente que vai dar “um jeito” de destinar os recursos de outra forma.
Nossa democracia anda a passos largos para o túmulo. A Constituição de 88, que foi concebida como nobre e elevada está se tornando, como disse o doutor Jivago, matéria bruta. Em sua obra, Boris Pastenark declara: “Grécia tornou-se Roma, o Iluminismo russo tornou-se a revolução russa”. E, o Brasil torna-se terra de ninguém.
Deysi Cioccari – Yahoo