Nesta terça-feira (27) será celebrado o Dia Nacional de Doação de Órgãos e Tecidos, instituído pela Lei 11.584, de 2007. Para a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), que ao lado de outras instituições promove a Campanha Setembro Verde, que incentiva as pessoas a se tornarem doadoras, a data serve como alerta para a queda do número de transplantes no Brasil devido à pandemia de covid-19.
Segundo a ABTO, em 2019 foram realizados 9.235 transplantes no país; em 2020, já com a pandemia, o número caiu para 7.453, número quase igual ao do ano passado: 7.425. A quantidade de doadores por milhão da população (PMP) também diminuiu consideravelmente no período. Em 2019, o Brasil tinha 18,1 PMP; em dezembro de 2020, 15,8 PMP; e entre os meses de janeiro e junho deste ano, a média foi de apenas 15,4 doadores PMP. Segundo a Aliança Brasileira pela Doação de Órgãos e Tecido (Adote), em países como Espanha — referência mundial em transplantes — são registrados cerca de 40 doadores PMP.
Projetos
Incentivar a doação é o objetivo de vários projetos que tramitam no Congresso. Uma proposta em análise no Senado (PLS 405/2012), do senador Humberto Costa (PT-PE), estabelece o sistema de doação presumida, pela qual todo brasileiro passa a ser considerado doador. Hoje, a Lei 9.434, de 1997, que regula a doação, exige o consentimento da família, com autorização por escrito, para a realização do transplante.
A proposta prevê ainda que a pessoa que não deseja dispor de seus órgãos, tecidos ou partes do corpo para a doação deve solicitar a gravação da expressão “não doador de órgãos e tecidos” em documento público de identidade. Para quem não possui o documento, caberá à família decidir sobre a doação.
“A doação presumida não obriga ninguém a doar, mas, ao contrário, estimula que a discussão sobre o tema seja feita, ao requer, de cada cidadão, a tomada de decisão, o mais precoce possível, quanto a ser ou não um doador de órgãos, uma vez que a omissão implica concordância em doar”, explica o autor do projeto.
Pela lei em vigor, além da autorização dos familiares, o transplante, no caso de doador morto, só pode ser realizado após um diagnóstico de morte cerebral. Em seguida, são realizados exames de sangue para garantir que o paciente não tem doenças infecciosas. Todo esse processo precisa ser feito em um curto espaço de tempo — o transplante de coração, por exemplo, deve ser feito em até 4 horas; o de fígado, em até 8 horas e o de rim, em até 24 horas.
Outro projeto que tramita no Senado (PL 1/2021), do senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), determina que o Sistema Único de Saúde (SUS) disponibilize imunossupressores para os pacientes que receberam um órgão. O objetivo de aumentar a taxa de sucesso do transplante e proteger a vida do paciente, já que a função desses medicamentos é evitar a rejeição do órgão transplantado.
“Sabe-se que esses medicamentos são fundamentais para o sucesso do procedimento, haja vista que impedem fenômenos imunológicos como a rejeição do órgão transplantado ou a doença enxerto versus hospedeiro, no caso dos transplantes de medula óssea”, afirma o senador.
Medula óssea e sangue
Outro problema agravado pela pandemia foi a queda do número de doadores de medula óssea e de sangue. Em 2020, durante a pandemia, o número de doações de medula óssea caiu 30% de janeiro a julho, com relação ao mesmo período de 2019.
Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil possui apenas 1,9% de doadores regulares — a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda ter de 3% a 5% em relação ao total da população.
O PL 1.855/2020 prevê o atendimento prioritário a doadores de sangue e medula óssea, com o intuito de incentivar as doações. Segundo a justificativa do autor da proposta, senador Irajá (PSD-TO), em apenas 25% das famílias há um doador ideal (irmão compatível). O dado reforça a importância de incentivar a iniciativa de doadores alternativos. O projeto foi aprovado pelo Senado em abril de 2021 e aguarda votação na Câmara
“Apesar de um número considerável de cadastros de doadores, muitas vezes, é difícil localizar as pessoas cadastradas, em razão de mudança de dados de contato e endereço. Dessa forma, é imperioso buscar formas de incentivar a atualização de dados no Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea (Redome)”, detalha Irajá.
Já os PLs 1.823/2019 e 1.719/2019, dos senadores Fabiano Contarato (PT-ES) e Styvenson Valentim (Podemos-RN), estendem aos doadores de medula óssea o benefício do pagamento de meia-entrada em espetáculos artístico-culturais e esportivos. A proposta de Styvenson aguarda designação de relator na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). O projeto de Contarato está na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) com relatoria de Eduardo Girão (Podemos-CE).
— Por compreender que a doação de medula é medida crucial para a saúde pública, acredito que o Estado deve sempre buscar os mais variados incentivos para viabilizá-la. Qualquer pessoa pode vir a precisar de doação de medula, razão pela qual a política da meia-entrada para doadores de medula é indispensável para incentivar a população — afirma Contarato à Agência Senado.
Pandemia
Segundo a coordenadora da Comissão de Infecção em Transplantes, Lígia Pierrotti, ao longo da pandemia foi evidenciada a possibilidade de utilizar órgãos, com exceção dos pulmões, de pessoas que testaram positivo para a covid-19.
Ficou definido que os profissionais devem esclarecer os pacientes e seus familiares quanto à condição da infecção pelo Sars-CoV-2 desses doadores e da segurança desse procedimento.
Em março, o Ministério da Saúde lançou a Nota Técnica 24/2022, que atualizou as normas de gerenciamento do risco sanitário da epidemia da covid-19 para doação e transplante de órgãos, tecidos e células-tronco hematopoéticas. A partir da publicação, foi autorizada a realização de transplantes de doadores positivos para Sars-CoV-2, desde que seguindo critérios rigorosos de aceitação do doador e após a avaliação de risco-benefício para cada receptor.
Transplantes renais e hepáticos
O SUS é responsável pelo financiamento de cerca de 95% dos transplantes no país. Os transplantes de rim e de fígado são os dois mais realizados no Brasil. Até 2019, o país ocupava uma posição de destaque no cenário mundial, já que era o segundo em número absoluto de transplantes renais e hepáticos. No entanto, o número de transplantes desses órgãos caiu rapidamente durante os primeiros três meses da pandemia, diminuindo a posição do país em relação ao mundo.
Por Mateus Souza, sob supervisão de Sheyla Assunção