A DEMOCRACIA MORRE NA ESCURIDÃO

Sérgio Cabral: a retrospectiva do colarinho branco.

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Por Leone Oliveira – 22 de março 

É um tanto quanto paradoxal o fato de o berço de alguns dos maiores nomes que já vagaram pelo Brasil, também ser berço de alguns dos maiores escândalos de corrupção que veio à tona.

Quando tratamos de corrupção no Rio de Janeiro, seguramente a imagem de Sérgio Cabral saindo algemado do camburão da polícia vem ao primeiro plano de minha mente. É claro, estimados, que Cabral não foi o único político que saqueou o Rio, quando falamos desse território devemos ter em mente que estamos tratando de – lamentavelmente – um estado paralelo, no qual o estado de direito fica em segundo plano e profissionais do submundo do crime imperam.

Contudo, esse artigo não tem por objetivo expor as mazelas de outros políticos que não seja Sérgio Cabral, cuja corrupção saltou aos olhos até mesmo de grandes autoridades do direito. O Exmo. Juiz Marcelo Bretas, em sua terceira sentença aplicada contra Cabral, destacou: “Toda a atividade criminosa aqui tratada teve a finalidade de que o ex-governador, seus familiares e comparsas da organização criminosa desfrutassem de uma vida regalada e nababesca, o que vai muito além da mera busca pelo dinheiro fácil”.

Como descreveu Hudson Corrêa em seu livro (o qual é uma das fontes desse artigo), “Sérgio Cabral queria muito mais do que o dinheiro fácil, de fato, Sérgio Cabral queria ser rei”. Os motivos dessas falas, prezados, apresento-vos a partir de agora.

Apertem o cinto.

                     O PRIMEIRO DELITO

Sérgio Cabral, por quatro mandatos consecutivos, fora presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, de 1° de fevereiro de 1995 à 1° de fevereiro de 2003. Durante seu comando, grandes projetos tramitaram na casa legislativa, dentre os quais aquele que levou Cabral a criar uma conta nos Estados Unidos – para escorrer a propina – com o nome de “eficiência”. O projeto visava tributar as empresas de ônibus do Rio, que até então eram isentas do ICMS, imposto sobre circulação de mercadorias e serviços.

Marcello Alencar, então governador do Estado, só esperava a aprovação da Assembleia para começar a cobrar o imposto. Com o placar de 40 votos contra 13, o projeto é derrubado na Assembleia e, as empresas de ônibus, livram-se de ter que dar 80 milhões de reais (mais de 400 milhões nos dias atuais) de imposto ao Estado. Grande vitória. Contudo, a felicidade durou pouco: o governador Alencar vetou a isenção de impostos para as empresas de ônibus.

O projeto retornou à casa legislativa. Agora, era a vez de Sérgio Cabral mostrar o seu poder. Temendo a reação da população que era contrária a isenção do ICMS às empresas de ônibus que cobravam valores abusivos nas passagens, Cabral decidiu que a votação seria secreta.

Nesse ínterim, entra em cena o Deputado Albano Reis que, revoltado com a decisão de Sérgio Cabral, foi à tribuna fazer uma denúncia chocante: propinas de 100 mil à 150 mil reais estavam sendo pagas para parlamentares que votassem a favor das empresas. A despeito disso, Cabral continuou a votação secreta e, por 40 votos contra 22, a Assembleia concede a isenção do imposto às empresas de ônibus. Anos depois, na operação Lava-Jato, os Procuradores da República denunciaram Cabral por receber propinas das empresas de ônibus em troca de leis e decretos favoráveis a elas.

Essa era a origem dos milhões de reais na conta “Eficiência”, de Nova York, EUA. Seu braço direito, o assessor Sérgio Castro de Oliveira, o “Serjão”, assumiu em depoimento que era responsável por entregar o dinheiro nas mãos de Leon Chebar, doleiro da quadrilha. Chebar, por sua vez, repassava os valores à cambistas que depositavam na conta em Nova York. Já no final da década de 90, Cabral não se furtava em ostentar uma vida luxuosa: uma de suas mais novas aquisições fora sido uma mansão em Mangaratiba, em junho de 1998.

             DINHEIRO EM ABUNDÂNCIA

Sérgio Cabral foi senador de 1° de fevereiro de 2003 à 15 de dezembro de 2006. No ano de 2003, Cabral quase que viu suas falcatruas serem descobertas: em janeiro autoridades da Suíça relataram à Procuradoria da República no Brasil movimentações estranhas de grandes volumes em dinheiro de brasileiros em bancos no País. Com as investigações, veio à tona um grandes esquema de corrupção dentro da Receita Federal, no qual vários auditores recebiam propinas de empresas em troca de vista grossa em sonegações fiscais.

Cabral, no desespero, corre para falar com seu doleiro, Leon Chebar, para que o mesmo apague todo o rastro que, por ventura, ligue-o com os valores no exterior. Por mais que suas propinas estivessem nos EUA e não na Suiça, era bom precaver. Chebar transfere o dinheiro para a conta de outras duas pessoas. Assim, protegido, Cabral continua seus esquemas ilegais. O filho de Leon Chebar, Renato Chebar, em depoimento anos depois, afirmou que Cabral fazia depósitos mensais de 50 mil à 250 mil reais. Os valores das contas chegaram à 6 milhões de reais entre 2003 à 2007.

MEUS CRIMES ENQUANTO GOVERNADOR

Lula cobrando pênalti com Cabral no gol.

Luiz Inácio Lula da Silva, então presidente do Brasil, era a fonte de ouro do agora governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. Durante a presidência de Lula, um tsunami de dinheiro fora liberado pelo governo para várias obras no estado do Rio. Em 2007, Lula assinava a medida provisória que liberou dinheiro para a reforma no Maracanã, local em que seria os jogos Pan-Americanos de 2007. Lula visitava recorrentemente o Estado que lhe rendeu 70% dos votos, sempre de carteira aberta.

O presidente já havia liberado também 59 milhões ao estado para a urbanização e construção de casas em favelas, além disso, também contribuiria com 75% – 929 milhões de reais – com a construção de uma rodovia que recebeu o nome de “Arco Metropolitano”. Eita, quanto dinheiro! Sérgio Cabral estava animado. Em que pese o dinheiro demorasse para chegar ao estado, Cabral já sinalizava para os empreiteiros a abundância de contratos e dinheiro para todos pularem de alegria.

De acordo com o Presidente da empreiteira Andrade Gutierrez, em depoimento, Sérgio Cabral prometeu contratos vultuosos para a empresa, no entanto, a mesma deveria repassar dinheiro adiantado. Isso mesmo, Cabral fazia algo inédito dentro do submundo do crime: cobrava propina adiantada. O governo exigia repasses de até 350 mil reais como uma espécie de “mesada”. Quando saísse a licitação, o valor da propina era de 5% em cima do contrato, no qual seria abatido o montante repassado antecipadamente pela empresa. No entanto, as empresas tinham um grande problema: como explicariam a saída do caixa de grande quantia em dinheiro aos órgãos de fiscalização? Aí onde entra em cena um empresário paulista chamado Samir Assad.

Assad possuía várias empresas de fachada que fechava acordos com as empreiteiras interessadas em lavar dinheiro, emitia notas fiscais frias sobre serviços que nunca foram prestados, cobrava 20% em cima do valor e devolvia 80% em dinheiro vivo. A Andrade Gutierrez movimentou – só de caixa dois – algo em torno de 177 milhões de reais entre 2008 a 2013. Em troca da propina, a empreiteira fechou grandes contratos com o governo no qual obteve grandes lucros.

Cabral tinha uma vida cara: seus gastos mensais chegavam à 150 mil reais. O operador financeiro de Cabral era Carlos Miranda, formado em economia. Em delação premiada, em 2017, Miranda afirmou que só a ex-mulher de Sérgio Cabral recebia algo em torno de 100 mil reais em dinheiro vivo e também por meio de contratos fictícios entre a empresa dela e a empreiteira FW engenharia. Miranda também promoveu várias reformas em suas residências, tudo feito pela FW engenharia, cujos gastos seriam abatidos nos 5% de propina em cima dos contratos.

Um dos contratos que a FW engenharia possuía com o estado do Rio era a reforma do Hospital Rocha Faria. Atualmente, esse mesmo hospital encontra-se sucateado. A corrupção também mata. Miranda também relatou que Cabral dava mesadas à membros de sua família: o pai e a mãe recebiam em torno de 100 mil reais cada um; a irmã, Claudia Cabral, 25 mil reais; O filho mais velho, 10 mil reais; o mais novo, 5 mil reais. Carlos Miranda obedecia fielmente o patrão, até porque não podia falar mal do salário de 150 mil reais mensais e a gratificação de 200 mil reais que recebia todo final de ano.

FW engenharia, Carioca Engenharia, Queiroz Galvão, Odebrecht, OAS, dentre outras empreiteiras: todas elas sabiam que, para fechar contratos com o governo do Rio de Janeiro, teriam que pagar propina. Essas empresas – literalmente – formaram um quartel para fraudar licitações e pagarem subornos à políticos. Para fraudarem as licitações, como todos já sabiam do esquema, não era tão complexo: suponhamos que a obra “x” seria da Odebrecht.

O que acontecia: as outras empreiteiras, no processo licitatório, elevavam o valor das propostas astronomicamente, fazendo com que – intencionalmente – a Odebrecht ganhasse a licitação. Na próxima licitação, era a vez da Odebrecht fazer o sacrifício. Também havia uma regra: as grandes empreiteiras deveriam carregar as pequenas empreiteiras, isto é, deveriam ceder parte da obra para as pequenas empreiteiras também lucrarem. Assim, todos saiam ganhando.

De acordo com o doleiro de Cabral, depois que o mesmo se tornou governador, os valores das propinas eram tão alto – passava dos milhões – que teve que terceirizar o serviço. Era muito dinheiro para ser lavado. Enquanto isso, Cabral vivia sua vida luxuosa. Comprava joias para sua mulher, morava em mansão, comia comidas refinadas, e, onde quer que fosse, usava helicóptero para se deslocar. Uma vida de rei.

                                  A FARRA DOS GUARDANAPOS

De acordo com a agenda oficial do governo, no dia 17 de julho de 2009, Sergio Cabral estava trabalhando internamente no Palácio. Tudo não passava de uma grande mentira. Nesse dia, Cabral estava em Mônaco, Paris, num restaurante cujos pratos mais baratos custavam 800 reais. No evento estavam presentes vários secretários e empresários.      

Ainda em Paris, um episódio chamou a atenção: vazou uma foto com empresários e secretários com guardanapos na cabeça. Esse evento ficou conhecido como a “farra dos guardanapos”. Nessa viajem, com o cartão de crédito do empreiteiro Fernando Cavendish, Cabral compra um anel de Diamante para Riqueza, sua esposa, no valor de 200 mil euros, ou 800 mil reais. O valor seria abatido em contratos futuros que o empreiteiro fecharia com o governo do Rio.   

                                         A QUEDA DO IMPÉRIO

            Com o avanço da operação Lava-Jato o cerco se fechava contra Cabral. Os primeiros a caírem foram os empreiteiros e os doleiros. A vez de Sérgio Cabral estava chegando. No dia 14 de julho de 2016, o ex-presidente da Andrade Gutierrez prestou depoimento na Procuradoria da República no Rio de Janeiro e confessou que Cabral exigira 5% de propina sobre o valor do contrato na reforma do estádio Maracanã. Um mês depois era a vez da executiva Tânia Fontenelle, responsável pelas propinas da Carioca Engenharia, prestar depoimento. Fontenelle confessou o repasse de 200 mil ao governador desde 2008.

Indubitavelmente, as delações enquadravam Sérgio Cabral, contudo, havia uma grande incógnita para as autoridades resolverem: onde diabos ia parar tanto dinheiro fruto de corrupção?! O mistério foi solucionado no dia 5 de dezembro de 2016, quando os advogados dos doleiros de Cabral, Marcelo e Renato Chebar, procuraram a Procuradoria da República para fecharem um acordo de delação premiada. Marcelo e Renato Chebar resolveram confessar os crimes na iminência das investigações chegarem até eles.

Na delação, os mesmos explicaram o esquema de envio de dinheiro para o exterior, esquema esse que resultou num montante de 100 milhões de dólares em propina que foram devolvidos pelos mesmos. Todo o esquema foi descoberto e exposto aos olhos da população. Sérgio Cabral pegou mais de 300 anos de prisão em todos os seus processos.

                                             FINALIZANDO

            Resumidamente, estimado leitor, expus aqui uma retrospectiva dos crimes cometidos pelo ex-governador do Rio de Janeiro, Cabral. Perdoe-me talvez a falta de detalhes (ou o excesso), mas, é importante que todos nós saibamos o que ocorreu no Rio, e porque o maior ponto turístico do nosso País se encontra sucateado, falido. A corrupção faliu Rio de Janeiro, deixou e deixará marcas profundas nesse estado. Matou muitas pessoas. A corrupção mata. Mas, sabe o que também mata? A falta de impunidade.

No exato momento em que redijo esse artigo, há duas delações premiadas na gaveta da Procuradoria-geral da República que pode pôr em cheque todas as sentenças proferidas pelo Juiz Marcelo Bretas, e pôr nas ruas o maior bandido que já vagou pelo território do Rio de Janeiro e que é objeto de análise desse artigo: Sérgio Cabral. Não irei me debruçar aqui sobre o teor dessas delações, já me estendi muito. Deixarei para outra hora.

Termino esse artigo transcrevendo, novamente, o que o Bretas escreveu em sua terceira sentença em desfavor de Cabral: “Toda a atividade criminosa aqui tratada teve a finalidade de que o ex-governador, seus familiares e comparsas da organização criminosa desfrutassem de uma vida regalada e nababesca, o que vai muito além da mera busca pelo dinheiro fácil”.

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