O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta segunda-feira (19), por 6 votos a 5, pela inconstitucionalidade das emendas do relator-geral do Orçamento − instrumento que ficou conhecido como “orçamento secreto”.
A quarta sessão para julgar ações que questionavam a constitucionalidade do dispositivo começou com o voto do ministro Ricardo Lewandowski, que decidiu acompanhar a relatora, ministra Rosa Weber, que também preside o tribunal.
Já haviam se manifestado favoravelmente à tese na última sessão os ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Carmén Lúcia e Luiz Fux.
Depois, foi a vez do ministro Gilmar Mendes, que acompanhou a minoria, entendendo que a distribuição de emendas de relator poderia continuar, desde que com critérios mais transparentes do que os atuais.
Para o decano da Corte, apesar da necessidade de se garantir mais transparência ao mecanismo, não é possível simplesmente declarar inconstitucional a possibilidade de emendas de relator prever despesas, restringindo-a a ajustes técnicos.
Ele defendeu que sejam tomadas medidas para garantir a publicidade, acesso público e rastreabilidade do dinheiro em 30 dias, e para que as instâncias administrativas que receberam esse tipo de verba publiquem as informações sobre elas em até 90 dias.
Também votaram desta forma os ministros André Mendonça, Nunes Marques, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes. Eles, no entanto, divergiram quanto aos caminhos necessários para adequar o instrumento.
As emendas de relator (ou RP9, no termo técnico) são apresentadas pelo deputado ou senador que, em determinado ano, é escolhido para produzir o parecer final sobre o Orçamento − o chamado relator-geral. Na peça de 2023, o cargo é ocupado pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI). E o montante reservado para o dispositivo era de R$ 19,4 bilhões.
Apesar de levarem a assinatura do relator, tais sugestões são feitas por diversos parlamentares, negociadas ao longo da tramitação do Projeto de Lei Orçamentário Anual (PLOA) no Congresso Nacional. Mas as impressões digitais dos verdadeiros autores dos pedidos não são passíveis de monitoramento.
O apelido “orçamento secreto” vem justamente da falta de transparência na execução das despesas e, sobretudo, na autoria do pedido para a alocação dos recursos, que representam cada vez uma fatia maior das despesas públicas em um exercício.
Ao longo da atual legislatura, o dispositivo ganhou protagonismo e foi fundamental na construção de base de apoio ao governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), além de ter ampliado os poderes do Legislativo na relação com o Executivo.
Diante do risco de derrota, o Congresso Nacional se movimentou nos últimos dias para modificar as emendas de relator em uma tentativa de adequá-las ao que defendiam os magistrados. As articulações foram capitaneadas pelos presidentes das duas casas legislativas: Arthur Lira (PP-AL), da Câmara dos Deputados; e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), do Senado Federal.
Na última sexta-feira (16), dia em que não costuma haver sessão deliberativa no Poder Legislativo, os parlamentares aprovaram, por ampla maioria, uma resolução com novos parâmetros para a distribuição dos recursos, de modo a atacar as críticas à falta de impessoalidade e transparência do dispositivo.
O projeto de resolução aprovado prevê que o valor destinado às emendas de relator não poderia ser superior à soma das emendas individuais e de bancada e que metade dos recursos fosse destinada a ações e serviços públicos de saúde, educação e assistência social. Pelo texto, os recursos teriam que ser distribuídos da seguinte maneira:
I – até 5% oriundas de indicações conjuntas do Relator-Geral e do Presidente da CMO;
II – até 7,5% oriundas de indicações da Comissão Diretora do Senado Federal, formalizadas pelo respectivo Presidente ao Relator-Geral;
III – até 7,5% oriundas de indicações da Comissão Diretora da Câmara dos Deputados, formalizadas pelo respectivo Presidente ao Relator-Geral;
IV – até 23,33% oriundas de indicações cadastradas pelos senadores, obedecendo a proporcionalidade partidária e cabendo ao líder do partido a formalização ao Relator-Geral; e
V – até 56,66% oriundas de indicações cadastradas pelos deputados, obedecendo a proporcionalidade partidária e cabendo ao líder do partido a formalização ao Relator-Geral.
O movimento foi uma tentativa de esvaziar o julgamento, que foi suspenso faltando dois votos − e em algum momento pareceu surtir efeito.
Ao sair de reunião com Pacheco na mesma sexta-feira, Lewandowski disse que o Supremo levaria em consideração a nova resolução na análise das ações. Segundo o magistrado, “muito daquilo que estava proposto nessa resolução de certa maneira atendia às preocupações que foram ventiladas pelos ministros ao longo do julgamento”.
Ao todo, quatro Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental estão sob análise do tribunal: ADPF 850 (autoria do partido Cidadania), ADPF 851 (autoria do PSB), ADPF 854 (autoria do PSOL) e ADPF 1014 (autoria do PV).
Em seu voto, proferido nesta manhã, Lewandowski destacou “os avanços da resolução aprovada pelo Congresso”, mas disse que vícios continuam existindo nas emendas de relator. Segundo ele, mesmo com a resolução aprovada, não é possível rastrear o destino das emendas e identificar os nomes dos parlamentares responsáveis pela indicação dos recursos.
O magistrado entende que o modelo afronta “as normas constitucionais que regem a matéria, colidindo em especial com o princípio republicano, o qual encontra expressão nos postulados da isonomia, legalidade, moralidade, publicidade, impessoalidade e eficiência que regem a administração pública”.
“Apesar dos esforços, o Congresso Nacional não conseguiu se adequar às exigências estabelecidas por essa Suprema Corte no que tange os parâmetros constitucionais que devem se enquadrar todas essas iniciativas que dizem respeito ao processo de orçamentação ora em curso no Congresso”, disse.
Para o ministro, o esforço dos parlamentares não sanou problemas relacionados à desigualdade entre os congressistas no acesso a recursos das RP9, assim como as chances de aliados de figuras centrais na tomada de decisões e lideranças de bancadas serem privilegiados.
Ele argumentou, ainda, que o atual modelo deixa a Presidência da República “completamente alheia” ao processo de orçamentação, “subvertendo a lógica do sistema de repartição de recursos orçamentários (…) em prejuízo da governabilidade, e em afronta ao mecanismos de freios e contrapesos”.
“Os próprios parlamentares entendem que a resolução nº3, embora tenha representado um avanço com relação à sistemática vigente das emendas rp-9 (orçamento secreto), não resolve a questão inteiramente”, sustentou.
“Considerado o elevado coeficiente de arbitrariedade e alto grau de personalismo como são empregados esses recursos públicos pelos congressistas… Como resultado tem-se a pulverização dos recursos públicos, a precarização do planejamento estratégico dos gastos e perda progressiva de eficiência econômica. Tudo em detrimento do interesse público”, pontuou.
Implicações
A formação de maioria no Supremo Tribunal Federal contra as emendas de relator garante mais força para o governo eleito nas negociações com o Congresso Nacional.
O julgamento, combinado à decisão do ministro Gilmar Mendes pelo uso de recursos liberados pela PEC dos Precatórios na garantira de programas de renda mínima, também pode reduzir a dependência de Lula na aprovação da PEC da Transição, embora este ainda seja o “plano A” do petista.
Vale destacar, contudo, que a decisão de Gilmar Mendes não garante a liberação do volume de recursos pedido pelo novo governo (de até R$ 168 bilhões na atual versão do texto) e não atende a janela temporal desejada (de pelo menos dois anos).
Já a declaração de inconstitucionalidade das emendas de relator abre a possibilidade de parlamentares buscarem “carona” na PEC da Transição para incluir na Carta Magna dispositivo similar. Isso pode garantir maior boa vontade com a matéria às vésperas do recesso parlamentar.
Essa matéria foi publicada originalmente aqui.