por FERNANDO PEREIRA – jornalista, teólogo, mercadólogo e mestrando em Ciências Políticas.
O existencialismo emerge no cenário filosófico como uma resposta direta ao essencialismo, defendendo a ideia de que “a existência precede a essência.” Em outras palavras, enquanto o essencialismo sustenta que possuímos uma natureza fixa e um propósito pré-definido, o existencialismo propõe que, antes de sermos algo definido, simplesmente existimos – e somente a partir de nossas escolhas e ações construímos nossa identidade e nosso propósito. Essa visão revolucionária, popularizada por filósofos como Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, coloca o poder e a responsabilidade da definição de quem somos em nossas próprias mãos. Esse pensamento, levado ao extremo, tem feito com que a gente veja hoje em dia pessoas se dizendo identificadas, em sua identidade, com animais ou mesmo plantas.
Liberdade e Responsabilidade
Uma das ideias mais impactantes do existencialismo é a noção de liberdade total, como Sartre descreve. Para ele, não somos definidos por uma essência que nos precede, mas por aquilo que escolhemos ser. Assim, cada escolha que fazemos molda nossa identidade, nossas relações e nosso sentido de vida. Com essa liberdade, no entanto, vem uma grande responsabilidade: se não existe uma essência pré-determinada, ninguém mais pode ser responsabilizado pelo que nos tornamos. Não há uma “natureza” que determine nossas ações ou decisões; são nossas escolhas que, de fato, constroem nossa identidade.
Esse princípio de liberdade traz, portanto, uma nova concepção de responsabilidade. Sartre chamou isso de “condenação à liberdade” – estamos “condenados” a fazer escolhas, e cada escolha é um ato de construção de quem somos. Não podemos culpar uma natureza intrínseca, um destino ou mesmo uma sociedade fixa. O peso de sermos os autores de nossas vidas gera tanto um sentimento de libertação quanto um fardo, pois significa que somos responsáveis por encontrar e criar o nosso próprio sentido na vida.
Impacto na Vida Moderna
O existencialismo trouxe uma nova visão de individualidade e autenticidade, incentivando as pessoas a se desprenderem de padrões tradicionais e a buscarem seu próprio sentido de vida. Esse pensamento teve um impacto profundo na cultura contemporânea, especialmente em questões relacionadas à identidade e à expressão pessoal. Exemplos claros desse impacto são as mudanças nas percepções de carreira, gênero, orientação sexual e estilo de vida, onde o que importa é a experiência pessoal e a autenticidade, não uma norma social fixa.
Na prática, essa visão leva a uma sociedade onde as pessoas buscam ser “fiéis a si mesmas.” A escolha de uma carreira, por exemplo, deixou de ser apenas uma forma de sustento para se tornar um meio de realização pessoal. De maneira semelhante, vemos hoje um movimento de redefinição dos papéis de gênero, em que indivíduos afirmam sua identidade com base em sua experiência pessoal e não em padrões fixos ou biológicos. Isso é também evidente na crescente valorização de formas de vida que desafiam convenções tradicionais – como as pessoas que escolhem viver de modo minimalista, nômade ou que se dedicam a uma causa ou projeto que representa seus valores.
Questões de Identidade e Autenticidade
O poder de definir-se, incentivado pelo existencialismo, levou muitos a questionarem até as fronteiras biológicas e físicas da identidade. Ao se colocar como “o que você escolhe ser,” o existencialismo abre portas para uma reinterpretação livre da identidade. Nos últimos anos, isso é visível em fenômenos que vão desde a fluidez de gênero até casos em que algumas pessoas se identificam como seres de outras espécies ou até objetos.
A busca pela autenticidade torna-se, então, o caminho pelo qual cada pessoa exerce sua liberdade existencial. Para o existencialismo, a única limitação é a autenticidade: a pessoa deve se esforçar para ser verdadeiramente aquilo que deseja, sem concessões a expectativas externas ou a uma natureza predeterminada. Ao questionar as fronteiras fixas da identidade, esse pensamento permite que as pessoas experimentem e explorem livremente quem podem ser. Contudo, a aplicação prática desse conceito pode gerar desafios, à medida que a sociedade tenta se adaptar a identidades que desafiam as normas e até a própria biologia.
Conclusão
O existencialismo trouxe uma visão radicalmente nova sobre o ser humano, ao “libertá-lo” das “amarras” de uma essência fixa e ao colocá-lo como “autor” de sua própria existência. Essa corrente de pensamento encorajou a liberdade individual e possibilitou uma sociedade onde as pessoas buscam definir sua identidade e propósito em seus próprios termos. No entanto, ele também levanta questões sobre os limites dessa liberdade de redefinição, e até que ponto podemos, de fato, ser qualquer coisa que escolhemos.
Ao abrir um campo de possibilidades tão vasto, o existencialismo lança a responsabilidade de criar significado na vida de cada pessoa, sem garantias ou guias externos. É essa liberdade radical, junto com os desafios que ela impõe, que servirá de base para o terceiro artigo, onde discutiremos como identificar qual dessas visões – essencialista ou existencialista – é predominante em nossas escolhas e na forma como enxergamos a nós mesmos e ao mundo.